Convidados


CARECA: ALEGRIA, TÉCNICA E PRECISÃO CIRÚRGICA NA ÁREA 

Antônio de Oliveira era um centroavante goleador no interior paulista quando nasceu seu filho, Antônio de Oliveira Filho, em 05/10/60. Antônio, o pai, era um cabeceador dos bons, prometia, a família vivia do sonho de ver Antônio consagrado, no Santos de Pelé, no Palmeiras de Djalma Santos, no Corinthians de tanta torcida, no Flamengo, em algum time que brilhasse no futebol brasileiro. O São Paulo FC, na época em que o Antônio fazia seus gols em Araraquara, época em que seu filho nasceu, era apenas um São Paulo que participava dos campeonatos olimpicamente, o São Paulo queria construir um estádio para ser maior do que os maiores.

Antônio de Oliveira deu o seu nome ao filho porque a sua paixão era o futebol, se ele não vencesse o filho venceria; isso ele sentenciou à mulher e aos seus próprios pais, a mulher e os pais eram as pessoas que mais acreditavam em seus sonhos.

Vitimado por contusões fatalísticas, Antônio de Oliveira foi obrigado a abandonar o futebol e seu sonho dourado de ser craque se esvaiu. Deixo por conta da sensibilidade dos meus leitores e iguais a imaginação, pois não sei descrever com palavras esse momento trágico da família dos Oliveira, ao constatar que para Antônio, seu arrimo, o sonho de ser craque havia terminado. Há certas passagens na vida que quem escreve não pode definir, quem lê é que faz a figuração do singelo momento, em sua simplicidade indescritível.

Antônio de Oliveira quase desistiu de tudo, foi um drama, sua família sofreu o pão que o diabo amassou enquanto o menino, o filho, nascido no momento da tragédia, crescia.

Mas, aquele menino era especial.

Futebol? Futebol, que nada! Antônio de Oliveira Filho era uma dádiva da alegria! O menino, desde pequenininho, gostava de fazer a família rir! O seu ídolo era o “Carequinha”, o palhaço do circo e da TV!

“Carequinha” era o rival do antológico palhaço “Arrelia”, que foi o maior dos palhaços brasileiros; “Carequinha” era engraçadíssimo, impagável, e o menino tinha um sonho, a mãe e o pai estavam infelizes e o menino queria ser igualzinho ao “Carequinha”, o rival do “Arrelia”, ele iria fazer a família feliz de novo!

O patriarca Oliveira, sofrido, ele, seu Oliveira, o craque que tinha tudo para ser e não tinha sido, estranhava. Que destino era aquele? Não! Depois do sofrimento do pai, o filho que destino teria, ao procurar aqueles caminhos?

“Carequinha” ia fazendo as suas apresentações domésticas enquanto o pai, o Sr Oliveira, o craque frustrado, ia apresentando a bola a ele. Seu Oliveira tinha uma ligação com a bola que era eterna.

“Carequinha”, por influência do pai, foi se familiarizando com a  pelota. Entre risos e trejeitos para fazer rir, “Carequinha” e a bola foram tomando intimidades, até que se apaixonaram perdidamente, um pelo outro.

“Carequinha” percebeu que com a bola nos pés poderia ser o palhaço que idealizara, poderia ser o “Carequinha” dos circos e da TV, sim, poderia realizar o seu sonho; fazer a família de novo feliz!

Então o menino resolveu transformar a bola em meio para que pudesse trazer luz à família Oliveira, uma família enamorada pelo futebol. Se o pai não tivera sorte, ele, o “Carequinha”, com o seu senso de humor, com a sua alegria, iria transformar os campos em um picadeiro!

Foi rápida a transformação de “Carequinha” a “Careca”. Até o apelido do rapaz mudou num instante, como o estalar de um relâmpago.

O guri engraçado passou a infortunar as defesas dos adversários dos campinhos de várzea de Araraquara, aquele palhaço fazia rir a quem assistia aos jogos de que participava, fazia gols de todo jeito e os comemorava fazendo graça como seu guru, Carequinha!

Muitos são testemunhas, estão vivos! O “Carequinha”, o filho do Toninho, como era chamado o seu Oliveira, fez gols de todos os jeitos na várzea de Araraquara para júbilo do pai. E os comemorou com tanta alegria que um dia o Guarani, da vizinha Campinas, veio procurá-lo. Quem era o menino que fazia palhaçadas na área?

“Careca”, era assim que já passara a ser chamado, (os diminutivos no mais das vezes são apanágios dos menores) consultou o pai, e o pai, cheio de glória, deu o “sim”, consentindo que o craque fosse para o Bugre.

Então começou uma carreira para a eternidade.

No Guarani, Careca fez chover uma chuva engraçadíssima!

Rapidamente, dos juniores passou aos profissionais e, num piscar de olhos, toda Campinas se enamorou dele.

Careca alegremente infernizava as defesas adversárias, Careca era hábil, rápido, simples, eficiente, fatal. E bem humorado!

O jeito de jogar bola daquele menino chamava a atenção até de quem não gostasse de futebol. Quando a bola estava com Careca recebia um tratamento de luxo, em dois toques, no máximo, ele dava a ela o destino do sucesso, a bola gostava dele, que bola não gosta de ser tratada assim?

Careca, nas proximidades da área, dava um drible curto, às vezes de costas virava como um raio e fazia o gol. Careca servia o companheiro mais próximo como se estivesse fazendo uma caridade sem espalhafatos, Careca, às vezes, com sua agilidade, vinha para a pequena área e saltava mais do que os goleiros e cabeceava para as redes, como o seu pai, o Seu Oliveira, o forte do Seu Oliveira, já dissemos, era a impulsão para cabecear.

O Guarani teve Babá e Nelsinho, teve Américo e Carlinhos, mas o Guarani nunca tinha tido alguém como Careca, Careca era um extra-série!

Aquele menino, o filho do Toninho, o alegre fã do palhaço Carequinha, rapidamente arrebatou o Brasil.

No final dos anos 70, Careca era voz corrente entre aqueles que gostavam de futebol. Ninguém duvidava de que aquele menino era um predestinado.

Eu vi, no Maracanã de 100.000 faces e de 200.000 olhos, o Guarani vencer o Vasco nas semifinais de 1978. Rugia como trovão o clamor do vozerio vascaíno mas Careca silenciou o Maracanã com a sua arte, com a sua alegria e com a sua técnica. Careca desmantelou o Vasco, com a sua simplicidade, com a sua precisão. Vencidos os cariocas, o Guarani de Careca venceu o Palmeiras no Morumbi e no Brinco de Ouro, sempre com gols de Careca, com a mágica do menino, tudo muito fácil, assim como teclar no twitter.

O São Paulo havia brigado com seu maior artilheiro, acabava-se o ciclo de Serginho, herói, anjo e demônio da história do clube paulistano. O São Paulo vendera o passe de Serginho ao Santos e a torcida do Mais Querido estava em pé de guerra.

Quem substituiria Serginho no São Paulo?

O São Paulo trouxe Careca, contratando-o do Guarani por um valor que era uma fábula! Só Careca poderia preencher aquela lacuna, só aquele craque nascente, aquele craque anunciado, aquele menino com ares de gênio, aquele menino alegre que o Brasil já amava poderia satisfazer a torcida mais exigente do planeta: o São Paulo trouxe Careca!

Então, para felicidade do Seu Oliveira que via o filho realizar seus sonhos pessoais, o prodígio veio para o São Paulo e deu o passo decisivo para entrar para a história.

Careca chegou deslumbrado. O filho do Seu Oliveira não queria mais ser palhaço, agora era galã! Namorou as meninas da Paulicéia, a noite era curta diante dos desejos do astro, Careca deslumbrou-se no primeiro momento em que se viu vestido com a sacrossanta e inigualável camisa das três cores. Eu vi a estréia dele no São Paulo. Foi contra o América, de Natal, pelo Campeonato Brasileiro.

Já tínhamos Renato, que com ele formara dupla incomparável no próprio Guarani, esperava-se que se transformassem, ele e Renato, em Pelé e Coutinho no Bem Amado. Careca fez um gol, um golaço, naquela vitória por 4 x 1, no Morumbi. Recebeu uma bola no lado esquerdo da área do adversário, perto da meia lua. Estava de costas para o gol. Com seu jeito espontâneo deu um drible no marcador para dentro, voltou e, de virada, fez o gol com um chute certeiro.

Parecia que Serginho estava esquecido.

Mas não foi assim.

Careca, não se sabe por que razão, foi murchando. Começou a sentir contusões. Uns dizem que era artrite, outros dizem que era noitite, ninguém sabe.  Mestre Mário Travagline afiança que era mesmo  artrite. O certo é que Careca teve um primeiro momento de desilusão. Mas o que era um momento de desilusão para um gênio chamado Careca?

Curado das artrites ou das noitites o menino entrou em forma e tornou-se um dos maiores jogadores da história do São Paulo FC.

Ah, eu vi Careca jogar, e como me orgulho disso!

Foram 4 anos vestindo a camisa do São Paulo. 4 anos que valeram pela eternidade!

Meu Deus, como jogou o Careca no São Paulo! Conheço gente que acha que Careca foi o maior atacante que tivemos!

Vi gols de Careca de todos os tipos. Careca era rápido, ágil, habilidoso, entrava e saía da área como quem ia até ali e voltava, Careca surpreendia, emboscava, era certeiro por baixo e no alto. Careca não perdia gols, nunca! Pelo contrário, Careca dava grife aos gols!

Sim. Porque Careca tinha um jeito especial de marcar gols. Careca tinha um jeito todo próprio, tinha uma ginga, tinha um balanço, uma cadência circense que inebriava a própria bola!

Quando o São Paulo foi campeão paulista em 1985, Careca fez chover e parar de chover.  O Mais Querido revelara Muller, Silas, Sidnei e outros. Mas o que Careca jogou naquele ano foi algo de se escrever para a eternidade. No Brasileiro de 1986, o gol que Careca fez no último instante da prorrogação, contra o Guarani, que o havia revelado, foi um gol impróprio para cardíacos, foi o gol que revelou cardíacos, foi o gol para sempre, o gol que os são-paulinos vivos e mortos abençoarão pelo resto dos tempos! Não preciso descrever aquele sem-pulo de pé esquerdo, sem ângulo, sem sentido, sem amor pelos adversários que devem ter inveja, que morreram e morrerão de inveja, graças a Deus!

Careca, o menino que queria ser palhaço para alegrar o mundo, deixou o mundo todo bobo com o seu futebol.

Careca era um centroavante preciso. Em pequeno espaço fazia o que ninguém esperava. Um segundo de vacilo da defesa e pronto, bola no barbante!

Aquela arrancada do São Paulo para ser Campeão Brasileiro em 1986 teve a marca do gênio de Careca. Ninguém se esquece dos gols que ele fez no campeonato inteiro, ninguém se esquece dos gols que ele fez na reta final, contra o Fluminense, contra o América (duas vezes) e nas finais, contra o Guarani que o revelou. Nenhum são-paulino jamais há de se esquecer das comemorações de Careca naqueles gols, comemorações cheias de teatralidade, cheirando a picadeiro de circo, do jeito que lhe convinha, para matar as saudades da infância.

Em 1982, ainda no Guarani, e sem mídia para ajudar, Careca deveria ter sido o centroavante da Seleção Brasileira na Copa do Mundo; uma contusão o afastou do certame, talvez com ele o resultado tivesse sido outro.

Em 1986 e em 1990 ele esteve nas Copas do Mundo, envergando a camisa do Brasil. Claro, Careca era um jogador de Copas do Mundo!

Em 1987, quando Careca estava simplesmente iluminado no São Paulo FC, quando a torcida o idolatrava, o clube o vendeu para o Nápoli e os são-paulinos choraram, houve um mar de lágrimas no Morumbi. Não havia como segurá-lo, o mundo já se apaixonara pelo seu futebol.

O menino foi se juntar a Diego Maradona; com Maradona e Careca o Nápoli ganhou o título italiano depois de 40 anos, ambos, Maradona e Careca, até hoje são cultuados como deuses na Itália.

Careca, o precioso artilheiro, jamais voltou a envergar a camisa do São Paulo FC. No fim da carreira jogou no Santos FC, jogou também no Japão. Os quatro anos que esteve no Morumbi durarão quatrocentos séculos, virarão lenda na memória dos tricolores, as façanhas de Careca continuarão a ser contadas, de pai para filho, até o fim dos tempos.

Careca é imortal, não morrerá, se ele morrer duvidem.

Lembro-me de uma noite sagrada no Morumbi. Jogavam São Paulo e Ferroviária, pelo Campeonato Paulista, o Campeonato Paulista ainda era místico.

O São Paulo venceu por 4 x 0, Careca fez dois gols de placa no Morumbi. Não pude dormir, tal era a minha excitação com aqueles prodígios, logo eu, que já havia visto Careca fazer coisas inacreditáveis com a sacrossanta camisa tricolor. No dia seguinte, quase insone, fui a uma audiência no fórum central da capital. O magistrado era são-paulino. Findos os trabalhos, nós dois, eu e ele, absolutamente apaixonados pelas obras de arte de Careca na noite anterior, quisemos discutir sobre qual dos dois gols teria sido mais belo, o de bicicleta ou o outro, em que Careca driblara a defesa inteira do adversário. O magistrado divergia de mim, queria por que queria consagrar o gol de bicicleta como o mais bonito. Eu confesso que estava indeciso.

Então invoquei Salomão, o mais justo dos magistrados, o justo dos justos: nenhum dos dois gols poderia ser considerado mais bonito do que o outro, eis que em cada um havia uma beleza singular e inexcedível. Eu não podia optar por um ou outro e os considerava, a ambos, duas obras-primas. Sua Excelência meditou, meditou, e houve por bem conceder. Ponderando judiciosa e equânimemente observou que Careca se excedera em genialidade duas vezes; o gol de bicicleta era melhor do que o gol em que ele driblara a defesa inteira do adversário, mas o gol em que Careca driblara toda a defesa do adversário também houvera sido mais bonito do que o gol de bicicleta. Em suma, não havia como definir, ambos os gols eram antológicos e inesquecíveis, havia empate técnico e acabou-se a discussão. E havia mais: Careca comemorara os dois gols com uma performance circence! Eram gols de Careca, gols com a marca de um dos maiores craques que eu vi jogar.

Careca foi a alegria, a técnica e a precisão cirúrgica na boca do gol.

Mas hoje não há mais Carecas.Talvez um circo e seus personagens tenham inspirado esse deus da bola. Mas hoje quase não há mais nem circos, não há mais a inspiração dos palhaços, rareiam os craques, nestes dias em que eu junto estas palavras não se discute mais sobre a beleza ou sobre a alegria dos gols tricolores.

Tempos modernos.

Fazer o que, iguais? Evocar nossa mística história e de joelhos implorar por melhores e mais alegres tempos!

E, claro, lembrar com saudade dos nossos astros eternos.

Ave, Careca, Ave!

Dr Catta-Preta é advogado e são paulino.

No twitter @catta_preta

e-mail: antoniocattapreta.com.br

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DR CATTA-PRETA:

TONINHO

“O NOBRE GUERREIRO”

Início dos anos 60. A cidade de Bauru, na região noroeste do estado de São Paulo, já havia revelado Pelé, o rei brilhava intensamente; projetava Bauru para o mundo.

Pelé, antes da glória, jogara por um time amador de Bauru mas o Noroeste, time profissional, era o dono daquela cidade e daquela região e acho que o Noroeste tinha ciúmes, por não ter revelado o rei.

O Noroeste era uma escola de futebol assim como tantos clubes do interior eram escolas de futebol, o futebol interiorano era chamado então de “celeiro de craques”.

Não havia empresários futebolísticos, o futebol não tinha dono, o futebol era, nessa época, ele próprio e por si próprio, o dono de todas as alegrias e de todos os prazeres.

Enquanto Pelé assombrava as multidões jogando pelo Santos FC e pela seleção brasileira, aparecia um menino em Bauru que deixava os bauruenses loucos.

Antonio Ferreira viera à luz em 1942.

Em 1962, aos 20 anos, o Toninho, como era chamado pela família e pelos amigos, tendo jogado bola desde os nove, dez anos, já conhecia tão bem os segredos da grande área que se dizia que ele nascera naquela região do campo de futebol.

Toninho era o dono da área, naquele espaço do campo Toninho transitava espontaneamente, muito à vontade, como se estivesse em casa. Pouco tempo demorou para que a fama daquele menino ganhasse dimensões estaduais.

Toninho, com seu jeito pacato, com seu estilo nobre de jogar e com a sua perseverança em busca do gol, começou a fazer história. Ele era impiedoso com o Palmeiras, com o Santos, com o São Paulo, com o Corinthians. Quem se habilitasse a enfrentar o Noroeste podia ganhar, mas que Toninho iria causar problemas iria, e como iria!

Toninho fazia gols de todo jeito, o menino cabeceava, batia bem com qualquer dos pés, driblava, era um leão feroz na área.

Quando aparecia um esboço de craque, os grandes se mexiam. Todo mundo queria o jogador. Toninho passou a ser o objeto do desejo dos grandes clubes de São Paulo no início dos anos 60.

Corinthians, Palmeiras, Portuguesa, Santos e até o avarento São Paulo, que só abria a carteira para comprar cimento, disputavam a pérola.

Resolvendo a árdua e longa disputa, o menino optou, claro, pelo Santos de Pelé, ele estava certo, quem não desejaria atuar ao lado do rei?

Toninho aportou na Vila, mas na Vila o centroavante era Coutinho, o lendário parceiro de Pelé, onde jogaria o menino prodígio de Bauru?

Logo se soube. Toninho foi para a ponta-direita, naquele tempo havia pontas-direitas, Garrincha era o modelo de todos eles.

Mas Toninho foi ser um ponta-direita diferente. Ele não era um driblador para entortar laterais, ele era, isto sim, um goleador implacável.

Toninho então passou a ser uma alternativa diferente para o mundo da bola, como é que um ponta, ao invés de ir à linha de fundo, fechava em diagonal para a área e tabelava com os atacantes ou fazia ele mesmo os gols?

Usando Toninho na ponta, Lula, o técnico santista, reinventava o ortodoxo futebol. Antonio Ferreira, o menino de Bauru, era o personagem da reinvenção.

Coutinho, o gênio da área, o homem que tinha pena da bola, pois a chutava com tanto carinho que na maioria das vezes ela ia para dentro do gol sem balançar a rede, passou a engordar, perdeu a forma. Coutinho não precisava correr, então não corria. Coutinho tinha um pacto com a bola. Ele apenas a impulsionava, ele a fazia transitar livre e solta e ela, a deusa bola, não o fazia se esforçar para tê-la, vinha a ele, como que por encanto.

Então, sedentário na área, Coutinho engordou. Pior, gordo, teve problemas no joelho.

Então, Antonio Ferreira, o menino de Bauru, que jogava com a 7, assumiu a camisa 9 do Santos. E foi uma verdadeira chuva de gols.

Não havia mais as tabelinhas Pelé/Coutinho, mas ver Toninho esquadrinhando a bola incansavelmente, por todos os cantos da área, era uma novidade especialíssima!

Toninho era tão bom, mas tão bom, que houve passagens em que a torcida perguntava: quem vai fazer mais gols nesse ano? Pelé ou Toninho?

Quando em 1969, ao fim de outro campeonato paulista ganho pelo Santos, eu ouvi uma entrevista de Toninho, o guerreiro, para a Rádio Bandeirantes, onde ele dizia que iria para o São Paulo, vibrei como se estivesse vendo chegar Leônidas! Contratar Toninho era, para o São Paulo, um gol de bicicleta!

Ele viria se juntar a Gérson, a Forlan, a Pedro Rocha, enfim o São Paulo voltaria a brilhar depois da longa, penosa e redentora construção do seu templo monumental!

Eu não dormi naquela noite. Toninho no Morumbi era demais!

Fui à estréia dele. Dele e de Gérson. Uma tragédia. O desentrosado São Paulo do “canhotinha de ouro”, de Dias e dele, Toninho, perdeu por 5 x 2 do Atlético Mineiro no Morumbi.

E não durou muito o sonho que a torcida tricolor mal acabava de sonhar. Todos os astros do futebol brasileiro foram convocados para a seleção que iria encantar o mundo em 1970. Toninho e Gérson, os novos heróis tricolores, estavam entre os convocados, claro.

Toninho, já como jogador do São Paulo, embora sem ter feito um golzinho sequer pelo Bem Amado, era uma aposta de toda a torcida brasileira. Toninho, já chamado “guerreiro”, era certeza de gols.
João Saldanha, o saudoso e inesquecível “João sem Medo” jornalista que o Brasil guindou inéditamente à condição de técnico da seleção brasileira naquela época, conta em um polêmico livro e em entrevista à revista Placar como foi o corte de Toninho Guerreiro da seleção.

Para Saldanha, Toninho era o melhor companheiro de Pelé, Toninho era insubstituível!

O general que naqueles tempos comandava a pátria com mãos de ferro, entretanto tinha outras idéias.

Segundo relato de Saldanha à referida revista Placar, inventaram uma sinusite para Toninho, sinusite que lhe impediria de jogar e então o guerreiro foi cortado. Em seu lugar, para rivalizar com a fama de Tostão, então jogador do Cruzeiro, foi convocado Dario, o centroavante do Atlético das Minas Gerais.

Toninho cortado da seleção voltou para o são Paulo. Voltou acabrunhado, triste, decepcionado. O São Paulo passava por um momento de transição.

Talvez passasse por um de seus maiores momentos de transição. Transição das transições. Depois da construção do Morumbi, era o momento de se tornar dentre os grandes o primeiro, tal qual profetizara, décadas antes, Porfírio da Paz.

Meses se passaram até o guerreiro se adaptar. Eu ia aos jogos e me perguntava: por que Toninho não marca?

Foi contra o Vasco, no Morumbi, em uma fria quarta-feira à noite, pela Taça de Prata, ancestral do Campeonato Brasileiro, que Toninho desencantou, bem ao seu estilo. O goleiro ousou largar uma bola depois de uma cobrança de falta, Toninho estava longe do goleiro mas deu um carrinho longo e desviou a bola para o fundo do gol. Estava selada a sina dos adversários do São Paulo.

Toninho desandou a fazer gols. Fazia gols de todos os jeitos. De cabeça, com o pé direito, com o pé esquerdo, de bicicleta, era uma tempestade de gols.

Toninho jogava sozinho à frente no time de Zezé Moreira, time que voltaria a ser campeão paulista em 1970, depois de longos treze anos de jejum.

Digamos que Toninho tinha o então meia Terto ao seu lado naquele ano de 1970.Verdade. Bem, mas Terto não era Pelé. E mais: Terto caía pelo lado direito, como se fosse um ponta, porque Paulo Nani, o nosso 7, era um meio-campista.

Então a jogada era a seguinte: bola com Gérson. Gérson, o virtuoso “canhotinha de ouro”, fazia um lançamento de 40 metros para Terto em um contra-ataque qualquer; Terto ia à frente, pela direita, e cruzava para a área. Lá estava Toninho, nosso personagem. Toninho e uma multidão de marcadores. Mas o intrépido guerreiro ia em busca da bola e no meio da refrega se encontrava com ela e era gol.

Toninho era um nobre na área.

Nunca se viu Toninho jogar sujo com um zagueiro. Toninho disputava a bola com os adversários como quem os convidasse educadamente para uma festa. Ele disputava a bola lealmente, e sempre levava vantagem.

Toninho tinha habilidade, sabia esconder seu esférico instrumento de trabalho e não tinha medo de cara feia. Toninho se colocava na área como um tigre, do lado esquerdo ou do lado direito, naquele território seu bote era fatal, de cabeça ou com os pés.
Até hoje me recordo de três dos maiores gols que, dentre muitos vi em minha vida.

Curiosamente são três gols de Toninho, o nobre guerreiro.

O Santos dava um baile em sua vítima interiorana preferida, o Botafogo de Ribeirão Preto. Sei lá quanto o placar ostentava. Então,Kaneco, um ponta hábil fez a maior jogada de sua vida: deu uma carretilha no lateral-esquerdo Carlucci do Botafogo e a bola caiu-lhe aos pé na lateral da pequena área.Kaneco vislumbrou o “guerreiro” Toninho entrando sedento e, sem que a bola tocasse ao chão, deu-lhe o passe.

Toninho, o nobre guerreiro, podia ter dado um bico para fazer o gol, era o que se esperava de qualquer outro artilheiro. Mas, Toninho, encantado com aquela jogada do companheiro e sem querer tornar banal o lance, simplesmente virou-se de costas para a bola e surpreendentemente, de calcanhar, com indiferença jamais vista, a enviou para a rede, doce e suavemente.

Até hoje não se sabe se, naquele primor de lance, foi mais bonita a jogada do Kaneco ou a conclusão do guerreiro…

Outro gol do meu coração foi marcado por Toninho na decisão do Campeonato Paulista de 1971, quando o campeonato regional era uma “avis rara”.

São Paulo e Palmeiras decidiriam o título. O São Paulo de Gérson contra o Palmeiras de Ademir da Guia.

Logo aos 5 minutos do 1º tempo uma bola viajou pelo alto na área palmeirense, Minuca, o zagueiro verde, tocou nela quase com a nuca e a pelota veio caindo, dentro da área, lado esquerdo do ataque tricolor.

Lá estava o santo guerreiro e ele, sem pestanejar, amorteceu a bola no peito e acertou um sem-pulo antológico que estufou as malhas de Leão.

Um gol inesquecível, um gol místico, um gol para os nossos tataranetos e para os netos dos nossos tataranetos, um gol para a eternidade! Esse jogo durou três eternidades, foi esse gol que nos deu o título de 1971.

Toninho, o “guerreiro”, era insaciável, como era bom vê-lo jogar, que raça, que vontade, que dedicação e que grande nobreza em busca do gol!

Antes, no ano anterior, angustioso ano de 1970, quando o São Paulo quebraria o jejum para ganhar um título depois de 13 anos, foi de Toninho, no Brinco de Ouro da Princesa, o primeiro gol do São Paulo contra o Guarani, o gol que anunciava o sonhado título.

E como se todas essas memórias não bastassem, recordo-me que Toninho fez um gol que é para mim o gol dos gols, o “gol golzarum”.

Numa tarde chuvosa no Morumbi o São Paulo enfrentava o Santos pelo campeonato paulista, nesse mesmo ano de 1970, ano da ressurreição do Bem Amado. Foi um clássico eletrizante. O São Paulo venceu o time de Pelé por 3 x 2, e desse jogo em diante a torcida do Mais Querido passou a acreditar que o título viria. O gol que fez o tricolor vencer foi de Toninho. Um gol de ouro, um gol inesquecível, que assisti ao lado de meu pai.

Num cruzamento aéreo para a área Pelé escoltava Toninho. E foi à frente de Pelé que o guerreiro aplicou uma bicicleta de antologia poética, foi talvez para homenagear o rei que ele colheu aquela bola alta e a colocou com estilo e agilidade no fundo do gol. Em homenagem a Pelé, estava decretada a reaparição da sacrossanta camisa tricolor!

Toninho fora tri-campeão paulista pelo Santos de Pelé, em 1967/68/69. Veio para o São Paulo nos fins de 1969 e com a conquista do bicampeonato de 1970-71 pelo Mais Querido, tornou-se o único atleta a ser penta-campeão paulista repetidamente. Quem se atreve a superar semelhante façanha?

Toninho ousou superar Pelé na artilharia do Campeonato Paulista. Foi o artilheiro isolado em 1970 e em 1972, sempre com a camisa tricolor.

Toninho era um bravo, mas era essencialmente um nobre na área.

Um nobre guerreiro. Detesto estatísticas mas recorro às estatísticas para dizer que Toninho, o nobre guerreiro, fez meio gol por jogo em sua carreira de três anos no São Paulo. Em 1973, Toninho parou.
Toninho era clássico, discreto e batalhador. Toninho não perdia gols, fazia gols.

Numa madrugada de 1973, década maravilhosa de anos já esquecidos e agora neste texto relembrados, em certo restaurante boêmio de São Paulo, um jovem universitário de Direito foi visto com o astro Toninho, ambos envolvidos com uma dúzia de garrafas de cervejas vazias, as cervejas eram, depois do São Paulo, as paixões do jovem e do craque.

O jovem universitário e o gênio nobre da bola deixaram a noite passar às gargalhadas, ambos fizeram poesia e recordaram gols de todos os tempos, tempos que julgavam imortais.

O gênio da bola era Toninho, o artilheiro que Deus levaria precocemente para fazer peripécias no céu em 1990 e o jovem universitário era eu, que hoje derramo lágrimas ao constatar que nunca mais teremos a nos motivar o leão da área, o nobre e implacável Toninho, o Antonio Ferreira, esse maravilhoso artilheiro tricolor.

Ave, Toninho Guerreiro, nobre tricolor!

Dr Catta-Preta é advogado e são-paulino.

catta-preta on twitter, fale com ele.

Texto de apresentação feito pelos organizadores do Site Morumbi 2014 EU APOIO.

Logo após o aniversário da cidade de São Paulo, a capital ganhou um presente de CIDADANIA.

O movimento Morumbi 2014 EU APOIO, que defende o estádio Cícero Pompeu de Toledo na Copa do Mundo do Brasil, daqui a 4 anos, lançou o portal oficial http://www.morumbi2014euapoio.com.br.

Campanha que pretende atingir todas torcidas paulistas e brasileiras, afinal, na São Paulo de todas as naturalidades, o Morumbi escreveu a sua história como maior palco do futebol paulista, acolhendo como grande anfitrião não somente os tricolores do estado, mas todos os alvi-negros, alvi-verdes, rubro-verdes, rubro-negros, tricolores, enfim, todas as “nações” do futebol brasileiro tiveram no Morumbi, o lar dos grandes jogos na maior cidade brasileira, desde 1970.

Um ato de justiça! É o que significa o Morumbi na Copa do Mundo.

Uma ação de respeito a São Paulo, ao cidadão paulistano, paulista e brasileiro, que vivem na capital, uma preservação do dinheiro público, já que a maior cidade do país necessita tanto de investimentos em outras áreas sociais e fundamentais e construir um novo estádio, diante de um imenso já existente, seria um disparate e uma afronta com a cidade.

Sem contar que todos os gastos que o São Paulo FC terá com as adequações e modernização de sua grande arena, serão pagos pela própria instituição.

Pela história maravilhosa do estádio diante de todas as torcidas, pela responsabilidade com a cidade, nasceu o movimento Morumbi 2014 EU APOIO, que espera sua adesão e participação.

Acessem: http://www.morumbi2014euapoio.com.br

Twitter: http://twitter.com/Morumbi2014EA

Comunidade Orkut para o são-paulino:
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=87804344

Email: contato@morumbi2014euapoio.com.br

O “MONSTRO DO MARACANÔ

Sou apaixonado pelo futebol. Pelo futebol bem jogado, pelo futebol arte, pelo futebol de excelência, pelo futebol poético.

Já vi muitos craques, vi os donos da bola, vi muitos daqueles que os deuses escolheram para brilhar pela eternidade futebolística. Detesto e repudio a ruindade, não me calo. Quando me deparo com a mediocridade, com os jogadores comuns, empunho minhas armas, quem se contenta com pouco merece pouco. O aplauso para o mediano é incentivo para a inutilidade. Ás vezes o talento aparece, é raro, raríssimo, então, quando isso ocorre, adeus mesmice, fico atônito, poético!

Hoje, no futebol, se fala em alas, em meio campo povoado. O mundo resolveu fabricar volantes. Ninguém quer perder. Os volantes são alas, são laterais, são armadores, são o pulmão e o coração dos times. Quanta bobagem, querem acabar com o verdadeiro futebol!

Houve um tempo em que uma partida de futebol se prestava a seu objetivo original, cada qual dos adversários queria ganhar o jogo. Então os times entravam em campo para vencer, vencia o melhor.
No auge do futebol arte, do futebol objetivo, jogava-se no sistema 2/3/5.

Dois zagueiros cuidavam da área, três médios ocupavam o meio campo e cinco eram os atacantes; dois pontas abertos, dois meias para auxiliar o ataque (um mais recuado e outro mais agressivo) e o centro-avante, que era o indigesto inquilino da área adversária.

Falava-se então, em linha média. Os jogadores que povoavam a linha média, a intermediária, o meio campo, eram aqueles a quem se atribuía o dever de resolver o jogo. Os médios pensavam. Eram os idealizadores de qualquer time. A linha média paradigma do futebol brasileiro nos anos 40 era do São Paulo FC e era formada por Ruy, Bauer e Noronha. Ruy, Bauer e Noronha viraram poesia sem rima, Ruy, Bauer e Noronha viraram lenda, sinônimo de perfeição.

Nos campos de futebol de várzea das ruas do bairro da Bela Vista, em São Paulo, muito menino, com onze, doze anos, no final dos anos 30, surgiu um menino sarará, filho de pai suíço com mãe brasileira negra.

Era um menino que enchia os olhos. Zé Carlos, como era chamado pela família e pelos amigos, era simplesmente demais. Ele era um pinguelão, era alto, longilíneo, era atrevido, elegante, se impunha aos mais velhos quando o negócio era jogar bola. Havia gente que ia aos campos daquelas várzeas paulistanas exclusivamente para ver Zé Carlos comandar os veteranos com a sua classe, com a sua maturidade precoce. Dele se dizia que era um menino velho, que já nascera pronto para ensinar futebol!

Alguém recomendou a um dirigente do emergente São Paulo FC que fosse ver o prodígio. Imediatamente Zé Carlos foi levado ao Canindé para treinar. Nascia naquele dia uma carreira de ouro.

Zé Carlos encantou a diretoria e o técnico do São Paulo. No primeiro treino, entre os infantis, ele deu um show especial. Parecia o dono do time. Zé Carlos não tinha idade para vestir a camisa titular, era preciso esperar o tempo passar para que finalmente o mundo conhecesse o gênio. O São Paulo guardou seu segredo, esperou o menino crescer. Os diretores e os mais chegados ficaram anos extasiados vendo Zé Carlos treinar até que no dia 01/11/45 o puseram em campo. O São Paulo de Leônidas, o Diamante Negro, era a sensação da cidade e do Brasil. O Bem Amado havia conquistado pela vez primeira um título, o título paulista de 1943, a moeda caíra em pé, o São Paulo era o frenesi dos paulistanos.

Zé Carlos estreou contra o poderoso Botafogo do RJ em um amistoso no Pacaembu em uma noite em que a vários meninos foi dada a chance de aparecer. A partida terminou 2×2 e ele foi aplaudido de pé pela torcida, que se encantou com seu jeito. Era calmo, mantinha a cabeça erguida, dono de toques incríveis tinha inata liderança, era um achado!

A direção são-paulina ficou indecisa. Fixar aquele garoto de vinte anos no lugar de Zarzur, o médio do time, era uma temeridade. A promessa foi recolhida. Outros amistosos vieram, Zé Carlos ficou fora. Mas nos treinos não havia como não se entusiasmar, o rapaz já virara o cérebro do time. Ele chamava o jogo para si, os titulares penavam para ganhar coletivos, Zé Carlos, com sua classe, roubava a cena.
Então, quase que por aclamação de jogadores e torcedores, ele voltou a jogar em outro amistoso. No mesmo Pacaembu, se enfrentariam São Paulo x Fluminense, outro dos muitos amistosos que precediam os campeonatos estaduais.

O Fluminense fez 1×0, o São Paulo empatou e virou. O Fluminense deixou tudo igual e parecia que o jogo caminhava para um final de compadres. Então, Zé Carlos apanhou uma bola na intermediária, saiu com ela em linha reta, driblando quem aparecesse pela frente e ao chegar à marca do pênalti enfiou uma bomba para decretar a vitória do São Paulo por 3×2. O Pacaembu foi ao delírio, nunca mais aquele menino sairia do time titular.

José Carlos Bauer iria formar a maior linha média da história do futebol brasileiro, ao lado de Ruy e Noronha. Na estréia do Campeonato Paulista de 1945, o São Paulo estava pronto. Gijo, Piolin e Virgílio, Ruy, Bauer e Noronha, Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Pardal iriam fazer chover.

O garoto Zé Carlos passou a ser chamado pelo sobrenome, Bauer, Bauer soava melhor, impunha respeito.
Desde esse abril de 1945, o futebol teria um novo astro para a eternidade.

Bauer era completo. Ele dominava o meio-campo com seus requintes de classe. Às vezes resolvia correr com a bola do meio para uma das alas. Ia driblando um, dois, três, quatro, quando se davam conta ele estava lá, em uma das pontas ou no bico direito ou esquerdo da área, para levantar a bola milimetricamente, na cabeça do maestro Sastre ou do homem-borracha, Leônidas: gol do São Paulo!

Bauer se transformaria numa legenda da história do futebol. Dizem que Bauer não dava um passe, ele levava a pelota a domicílio até o pé do companheiro a quem resolvia endereçar a bola.

Craque elegante, alto, forte, ninguém no meio campo se comparava a ele nos anos 40.
Conta-se que dos pés de Bauer a bola saía perfumada. Dona bola se rendia àquele formidável craque como se estivesse hipnotizada. Bauer viveu um tempo mágico da história do São Paulo FC. Em 1945 Bauer já conquistou o título paulista, muitos dizem que ele foi o maior jogador do time naquele ano.

No bi-campeonato paulista do ano seguinte, em 46, o São Paulo FC deu um vareio na concorrência; venceu o título espetacularmente e invicto. A final foi contra o Palmeiras. O Pacaembu viveu um dos seus dias mais gloriosos. O jogo, inebriante, com um público fantástico, estava empatado em 0x0 até o finalzinho do 2º tempo, o São Paulo jogava com um a menos, Renganeschi, com distensão muscular, fazia número na ponta-esquerda. Essa expressão “fazer número”, tinha sentido. Não havia substituição, se um jogador se contundisse, ou saía ou se mantinha em campo, parado numa das pontas para completar o número de jogadores no gramado. Foi assim naquela ocasião com “Renga”, os são-paulinos chamavam o raçudo zagueiro de área argentino Renganeschi de “Renga”. Ele se contundira e mal podia andar em campo.

Quando se pensava que o jogo iria terminar empatado eis que Bauer dominou uma bola no meio-campo e arrancou com ela para a direita, driblando progressivamente uma porção de adversários até chegar ao bico da área. Dalí, Bauer ergueu a cabeça, como era de costume e com a elegância de um lorde cruzou. O legendário goleiro palmeirense Oberdan tentou deter a bola, engalfinhou-se no alto com Luizinho, o ponta-direita são-paulino, a bola passou e foi cair no bico da pequena área, lado esquerdo, nos pés do contundido Renganeschi que a empurrou para a rede. Os palmeirenses esbravejaram, queriam falta no gigante Oberdan, houve expulsões, brigas e a partida terminou. O São Paulo era consagrado campeão invicto de 1946!

Depois do jogo a torcida tricolor invadiu o campo, Bauer foi carregado em triunfo, o estádio inteiro gritava o nome dele, foi algo jamais visto.

Bauer brilharia intensamente, de 1945, quando estreou, até 1954 quando, já veterano para o futebol da época, despediu-se do São Paulo. Vencedor, Bauer era sinônimo de títulos: Venceu o campeonato paulista, principal competição que o clube disputava na época, em 45/46/48/49/53. Virou mito.

Bauer poderia ter sido aplaudido no mundo inteiro. O mundo teria agradecido. O destino entretanto não permitiu que as multidões o conhecessem. Nos anos 40 não houve copas do mundo, a ignorância dos homens que faziam guerra não deixou que ele, e outros tantos gênios brasileiros da bola, se universalizassem.

Em 50, a copa no Brasil se encarregou de mostrar o futebol arte que os brasileiros vinham praticando. O Brasil perdeu a copa fatalísticamente, não quero voltar aqui às minúcias daquele episódio de amarguras em que se transformou o jogo final contra o Uruguai.

O Brasil encantou o mundo em 1950, apesar da dolorosa derrota. Nosso centro-médio era Bauer. Bauer desfilou sua elegância, sua classe e sua liderança naquela copa. Jogou, como sempre, de maneira incomparável.
Apesar da derrota fatídica, Bauer, acatado unanimemente, foi chamado pela imprensa internacional de “O monstro do Maracanã”. Sua performance foi impecável.

De meu saudoso pai são-paulino, ouvi que Bauer era a própria encarnação do São Paulo FC nos anos 40 e começo dos anos 50. Bauer foi e é meu ídolo, o nome de Bauer soava e soa sagrado para mim.

Numa dessas festas de confraternização que o São Paulo fazia reunindo seus ex-craques eu estive a poucos metros de José Carlos Bauer. Não tive no entanto coragem de me aproximar do ídolo mitológico. Preferi, por razões que até hoje desconheço, ficar à distância. Acho que talvez tenha sido pela concepção que um dia estabeleci no sentido de que não se toca nos ídolos. Ídolos são de ouro, são intangíveis, intocáveis, insondáveis. Deve-se cultuar de longe os ídolos.

Ver Bauer foi o bastante. A figura altiva daquele senhor elegante, de postura ereta, de cabelos grisalhos e aura nobre me remeteu ao passado e eu, comigo mesmo, o vi em campo, como um deus. Jamais me esquecerei daquele momento.

Bauer morreria no ano seguinte. Mas seus feitos são eternos.

O passar dos anos não apagará a história dourada que o “Monstro do Maracanã” escreveu com letras inesquecíveis.

O São Paulo FC deve muito a esse luminoso ícone da categoria, da classe, da nobreza no trato com a bola.

Bauer é um nome para sempre. Um nome imortal.

Ave, Bauer!

Paz, meus iguais.

Antonio Carlos Sandoval Catta-Preta é advogado e são-paulino

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“Mestre Ziza”

Vou falar de coisa séria. Vou falar de craque. Craque, com C maiúsculo.

Já cantei Sastre, já elevei Pedro Rocha, já recantei Gerson.

Agora, uma outra personalidade mística da história do Bem Amado se levanta.

Falarei de Zizinho.

Tomás Soares da Silva tinha tudo para não ser ninguém. Quando ele nasceu, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, aos 14/09/21, o futebol no Brasil era incipiente.

“Tomászinho”, “Tomászizinho”, “Zizinho”, como era chamado pelo pai, adorava jogar bola. Zizinho parece que já nasceu jogando bola. Filho de uma família paupérrima, aquele menino deve ter sido enviado por Deus para mudar a sorte da família Soares.

O garoto franzino era esperto, inteligente, rápido e não gostava de estudar porque estava, desde o berço, enfeitiçado pela bola. Os pais o endereçavam para a escola mas ele assombrava a vizinhança com a habilidade que tinha com a pelota nos pés.

Zizinho, o pequeno Tomás, não tardou a ser chamado por um clube profissional para exibir suas virtudes. Com menos de dezesseis anos já estava no Flamengo, no Flamengo de Leônidas, o maior craque de que se tinha notícia.
Quando o “Diamante Negro” foi o artilheiro da Copa de 38, na França, Zizinho já esboçava, em solo pátrio, uma carreira que poderia equiparar-se à do grande herói em quem se espelhava.

Dizia-se, no romântico Rio de Janeiro, que Zizinho seria um fenômeno, Zizinho seria o sucessor de Leônidas.
Depois da Copa de 38, Leônidas brigou com o Flamengo, o São Paulo trouxe Leônidas para São Paulo, já sabemos o que ocorreu com o “Diamante” na vida do Tricolor Paulista.

Então, no Rio de Janeiro, Zizinho, aquele menino, substituiu Leônidas no Flamengo e passou a ser a figura mais admirada do futebol carioca.

Lembram-se de Zico, meus iguais?

Zizinho era o Zico dos anos 40 no Flamengo. Zizinho era o dono do Mengo. Quando Leônidas, o “Homem Borracha” veio para São Paulo, o Rio de Janeiro o substituiu por Zizinho e Zizinho passou a ser o “Rei do Rio”.

Não quero me estender. Não estou escrevendo um compêndio.

Zizinho, depois de dar show no Flamengo, depois de se transformar no maior craque da Copa de 1950, a exemplo de Leônidas, brigou com a direção do rubro-negro.

Zizinho, irado, foi jogar no Bangu, o Bangu era um time respeitado na época.

Zizinho disse, naquela oportunidade, que o futebol, para ele, se transformara em mera brincadeira.
Claro, ele continuou a encantar o mundo. Mas estabeleceu-se em Bangu, fixou negócios ali, disse que dali jamais sairia.

O São Paulo FC estava vivendo uma época opaca em 1957. Ganhara um título em 1953, com craques já no ocaso da carreira. Em 1952, Monsenhor Bastos abençoara o terreno em que o São Paulo construiria o Morumbi, seu passaporte para a independência, e então, ganhar títulos havia ficado para segundo plano.

O Tricolor montou um time em 1957 que era admirável. O São Paulo de 57 foi o primeiro São Paulo que me fascinou. Com pouco dinheiro a diretoria reuniu um elenco que faria frente a Palmeiras, Corinthians e Santos, sim, Santos, onde despontava um fenômeno chamado Pelé.

Poy, De Sordi e Mauro, Dino, Victor e Riberto. Maurinho, Amauri, Gino , Celso (ou outro) e Canhoteiro. Com esse time, Bella Guttmann, um húngaro e nossa grande novidade como técnico, esperava vencer as dificuldades e devolver o São Paulo para o seu trajeto de glórias dos anos 40.

O São Paulo foi razoável no primeiro turno. Mas não animava a ponto de que se apostasse nele como campeão.
Jogava-se no 4/2/4, o futebol era outro. O São Paulo precisava de um meia-armador, Dino Sani fora recuado para volante, alguém havia de municiar aquele rápido ataque que tinha pontas maravilhosos, de um lado o velocíssimo Maurinho, de outro Canhoteiro, o gênio, o mago.

Tínhamos os exemplos históricos e intuitivos de Sastre a Remo, queríamos outro meia que fosse referência. Ninguém se esquecia de Leônidas, que viera do Rio depois de romper com o Flamengo.
Então alguém se lembrou do maior dos meias daquela época: Zizinho.

Zizinho tinha uma vida toda voltada para o Rio de Janeiro. Acho que Zizinho nunca tinha visto São Paulo de perto, ele era um carioca da gema. Por vingança, jogando pelo Bangu, humilhara o Flamengo; Pelé, no início da carreira já declarara que, para ele, o maior jogador do mundo era Zizinho. E o São Paulo resolveu que queria Zizinho, queria porque queria!

Vicente Feola foi um lume na história do São Paulo FC. Feola, na condição de técnico, prestou serviços ao São Paulo por trinta anos, em 1957 ele fora substituído por Bella Guttmann, o húngaro mágico.

Mas Feola permanecera no São Paulo, Feola era técnico exclusivo do São Paulo FC, ele só treinou time diverso quando dirigiu a Seleção Brasileira e foi Campeão do Mundo.

O São Paulo escalou Vicente Feola para ir ao Rio de Janeiro e convencer Zizinho a vestir a camisa tricolor. Assim foi feito.

O bonachão Feola foi conversar com aquele deus da bola e o convenceu, na base da brandura, a trocar as doçuras das praias cariocas pela força e pelo enigma do gigante de ferro e aço da cidade paulistana.

Zizinho desembarcou na paulicéia repetindo a epopéia de Leônidas.

Os adversários riram, gargalharam. Zizinho tinha 37 anos.
Bella Guttmann, doutro lado, endoideceu. Deu a 10 a Zizinho que era o maior jogador que ele tinha visto e armou o São Paulo para o segundo turno do Campeonato Paulista.

Todos sabem que o Campeonato Paulista naquela época era o que havia, era demais!

Ah, meus iguais, o que fez Zizinho com a camisa do Bem Amado é coisa para romance!

Zizinho estreou contra o Palmeiras, em um Choque-Rei, no Pacaembu, aos 10/11/57, e deu um show digno de placa.
O São Paulo venceu por 4×2 e, fora o espetáculo pessoal que ele deu, deixando loucos os adversários, nos quatro gols, astro inigualável, ele deixou Amauri e Gino, autores dos tentos, (cada um fez dois) na cara do gol.

O São Paulo ousou fazer algo que o futebol não vira antes. O São Paulo FC fez 28 gols nos cinco primeiros jogos em que Zizinho atuou com sua sagrada camisa 10, era um espetáculo inédito a cada jogo, sendo inesquecível notar que aquele time de 1957 deu um baile tão absurdo no Santos de Pelé, em plena Vila Belmiro, que o subjugou por 6×2! Depois desse jogo, Pelé repetiu para todo o Brasil que seu ídolo era Zizinho!

O São Paulo de Zizinho fez 4 no Palmeiras, 7 no XV de Piracicaba, 6 no Santos, 6 na Ponte Preta e 5 de novo no pobre XV piracicabano…

Zizinho, assim como acontecera com Leônidas, também apaixonou-se por São Paulo, e pelo São Paulo FC.
O time de 1957, comandado por Bella Guttmann fora do campo e por Zizinho dentro das quatro linhas, passou a jogar por música.

Os atrevimentos daquela orquestra que era o São Paulo de 1957 levavam ao delírio. O entendimento do meio-campo e do ataque tricolor era perfeito. Já viram a sintonia matemática de duas pálpebras que se abrem e fecham? Era assim que funcionava o meio-campo e o ataque tricolor sob o comando de Zizinho!

Zizinho, assim como havia feito Leônidas na década de 40, repito, tomou conta do São Paulo e de São Paulo no final da década de 50. A capital paulista se rendeu aos encantos de Zizinho. Com seu sotaque carioca, ele engolfava as entrevistas, ditava regras, fazia moda.

Zizinho mandou e desmandou desde que aportou em terras bandeirantes, apesar dos pesares dos adversários.
Zizinho, tendo arrebatado o povo paulista em cada jogo que jogou naqueles tempos também arrebentou na final do Campeonato Paulista de 1957, o campeonato de 57 foi o êxtase de Zizinho. São Paulo e Corinthians decidiriam o título. O Pacaembu era pequeno para o jogo, naquele domingo, 29/12/57.

Esse jogo é um dos duelos mais impressionantes da história do futebol paulista. O Corinthians tinha um grande time, sua torcida era maioria no estádio.

O primeiro tempo foi de estudos. Nada de gols. O Corinthians colocou um homem para deter os passes preciosos de Zizinho. Veio o segundo tempo. A torcida corintiana empurrou o time para cima do São Paulo. Então, Zizinho, esquecido, lançou Amauri e Amauri fez 1×0. O Corinthians deu a saída e atirou-se à frente. Zizinho recuperou uma bola dos desesperados e lançou Canhoteiro, o mago estava livre e fez 2×0. Era um jogo de matar.

Dada a saída, o Corinthians, impetuoso, arrumou um gol de voleio de Rafael, seu meia, e o duelo pegou fogo!
Em quatro minutos tudo ocorrera!

O Corinthians jurou ir à frente, queria empatar, parecia que ia empatar. Foi quando, aos 35 minutos do segundo tempo da batalha, Zizinho, armando serenamente um contra-ataque, dominou a bola, sua grande amante, e disse a ela coisas que só os deuses e os extasiados entendem. Então a endereçou, milimetricamente, aos pés de Maurinho, nosso ponta-direita.

O Corinthians e sua torcida estavam loucos, todo o time corintiano estava no ataque. Foi assim que Maurinho, recebendo aquele passe de mel de Zizinho saiu de seu campo intermediário, em alta velocidade e conduziu a deusa branca como um padrinho de casamento levando-a até a cidadela corintiana, onde Gylmar, o grande goleiro Gylmar dos Santos Neves, veio enfrentá-lo. Maurinho, conta a lenda, de longe gritou: em que canto você quer? E fez o gol dos gols, o gol da eternidade, o gol do maior dos “Majestosos”, decretando São Paulo 3×1 Corinthians!

Os corintianos atiraram garrafas ao campo. Não se conformavam. Zizinho os havia destruído, com sua técnica, com sua perspicácia! Três vezes, naquele embate, Zizinho tivera proximidade com a bola, nas três vezes a endereçara para a glória.

Zizinho ganhou, em São Paulo, dado pela imprensa e pela torcida, o apelido de “Mestre”.

Ele era mesmo um Mestre. “Mestre Ziza”, como o chamava a torcida são-paulina. Matreiro, habilidoso, driblava, lançava, ia à frente, voltava, segurava o time, soltava o time, a bola não resistia aos seus encantos. Os adversários o odiavam mas não podiam negar o seu talento, nunca negaram, pelo contrário, se há um craque são-paulino reconhecido pelos rivais, é Zizinho.

Terminado o campeonato de 1957, Zizinho foi embora. Jogou mais alguns jogos mas voltou para a “Cidade Maravilhosa”. Os Tricolores choraram, os demais disseram amém e deram Graças a Deus!

Zizinho deixou em São Paulo e no São Paulo FC, uma imagem impecável.

Nosso personagem faleceu em 2002. Ainda me recordo de uma última entrevista dele, não me lembro em que canal de televisão. Ele, já quase no dia em que o destino o chamaria para se eternizar, respondeu a várias perguntas, sempre com uma linda flâmula do São Paulo FC atrás do cenário, em uma parede de sua casa, como se o São Paulo FC fosse a sua alma.

Nunca um jogador simbolizou um clube tão expressivamente tendo jogado nele tão pouco tempo. O São Paulo FC e a sua exuberante torcida jamais se esquecerão do maravilhoso Zizinho. Jamais!

Ave, Zizinho, ave, Mestre ZIza!

Boas vibrações, meus iguais.

Antonio Carlos Sandoval Catta-Preta é advogado e são-paulino.

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